RIO - Diego Souza já pisou em gramados europeus, cariocas, gaúchos, mineiros... Neste domingo, (17h), o tapete é o da Vila Belmiro, onde enfrentará o Santos de Neymar. Mas o porto seguro do camisa 10 do Vasco, que volta ao time no Brasileiro, é um campinho de grama alta - quando consegue crescer -, lama nos dias chuvosos e terra batida no tempo seco na Ilha do Governador. Numa área militar, meio abandonado, passa despercebido na Estrada Rio-Jequiá. Para o meia, o quintal de casa que serviu de sala de aula para o futebol e serve de refúgio do jogador profissional que se destaca como um dos melhores do Brasileiro.
Se o preto-branco do Vasco corre o país e a América do Sul, o azul e branco do Mordomia Futebol Clube, time de pelada do meia, tem lugar fixo na região, que por ser uma ilha dá a sensação natural de acolhimento para quem aos 26 anos é quase um cigano do futebol, tendo passado por sete clubes - Fluminense, Flamengo, Benfica, Grêmio, Palmeiras, Atlético-Mg e Vasco. É assim, ilhado, que Diego, ou melhor, o Orelha, passa as folgas ao lado da família e dos amigos.
- Toda folga que ele tem, vem para cá. No sábado, é a pelada dos mais velhos; no domingo, ele joga com os amigos. Daqui, todo mundo vai para o bar da Maria, do outro lado da rua. Lá, ele joga cartas e bebe a cervejinha com os amigos, de bermuda e chinelo. Quem perde a pelada paga a rodada - conta o pai Marco Aurélio, aposentado de 62 anos e ainda morador da Ilha do Governador, que este ano prepara a confraternização de fim de ano na Portuguesa. - No fim de ano, vêm vários jogadores, como Vágner Love. Ele nem precisa chamar, o pessoal já vem. Vamos fazer lá, porque tem mais espaço.
Da casa onde foi criado, que hoje pertence a outros parentes, seu Marco Aurélio via o campinho onde o filho dividia as atenções com a bola e a pipa. Brincadeira que até hoje o meia não dispensa. E pelas mãos do pai, peladeiro desde a juventude, Diego Souza foi levado a seu futuro com apenas cinco anos.
- Eu montei uma escolinha de futebol no campinho. Na época, trabalhava numa multinacional de bebidas que patrocinou a ida dos campeões de 70 à Copa da Itália, em 1990. Trouxe várias bolas assinadas por aqueles craques para cá. Desde guri, ele sempre gostou de futebol e queria ser jogador. Mas a escolinha não deu muito certo - relembra o pai.
Dispensa do Flamengo
Da pelada, o destino foi o salão. Sempre na Ilha do Governador. Primeiro na Portuguesa, depois no clube ASCAER (Associação dos Servidores Civis da Aeronáutica). A habilidade do menino chamou a atenção. Um amigo da família levou Diego para um núcleo do rubro-negro em Bangu. Ele fez testes, peneiras, mas o jeito peladeiro de jogar não agradou ao treinador da época. Mesmo assim, conseguiu ficar treinando com o juvenil.
- O treinador do juvenil gostou dele, e Diego ficou lá por quatro meses para se condicionar melhor - disse o pai, rubro-negro assumido, mas que já vestiu a casaca pelo filho.
Como sempre o destino de Diego Souza não poderia estar longe da Ilha. Ou melhor, do campinho onde tudo começou. Amigo de pelada de seu Marco Aurélio, Jairo Leal, então auxiliar-técnico de Carlos Alberto Parreira no Fluminense, conseguiu um teste para Diego em Xerém. Aos 15 anos, ele chegou ao centro de treinamento tricolor, para jogar no primeiro time de juvenil, ao lado de Carlos Alberto.
Mesmo já na base do Fluminense, Diego Souza sofria nas mãos do pai no campo do Mordomia. Quando não estava treinando em Xerém, o gramado das peladas servia para os treinos improvisados de seu Marco Aurélio, com garrafas pets, bolas e o que mais servisse.
- Ele reclamava muito, dizia que eu estava arrancando o coro dele.
Mas a crença no dom do filho o impedia de ouvir os apelos:
- Quando ele realmente se "federou", passei a ser mais duro com ele. Não saía tanto como antes. Mas como ele gostava de jogar bola, era disciplinado para isso e não dava tanto trabalho assim.
Disciplina só para treinar
Bem diferente da escola. No Colégio Lemos Cunha, muito conhecido na Ilha, conseguiu terminar o ensino médio. Aos trancos e barrancos.
- Foi péssimo na escola, nunca gostou de estudar. Quando era mais novo, eu ficava mais em cima. Depois, o colégio mudou para o sistema construtivista. Aí, ele aproveitou a liberdade - admite o pai.
O dia a dia na Ilha do Governador e na casa dos pais foi interrompido bem cedo. Em 2005, aos 19 anos, Diego ganhou o mundo, foi para o Benfica, de Portugal em 2005, já casado com a namorada da adolescência, Luciana.
- Ter casado cedo ajudou ele a se manter na linha. Imagine se fosse solteiro agora - questiona o pai.
Agora é Diego quem cuida da família. Comprou uma casa maior na Ilha para seu Marco Aurélio e dona Lita e os irmãos Diogo, de 24, e Douglas, de 16, morarem. O meia, que hoje vive na Barra da Tijuca com a mulher, que está grávida de Manuela, e o filho Davi, de 3 anos, achava que os pais não iriam se adaptar longe dos amigos. Mas, como bom insulano, foi um jeito de não ficar longe das origens e da pelada no campinho da Estrada Rio-Jequiá.
Tatiana Furtado
oglobo.com.br